Douglas Diegues



Leitura de carta de James Joyce à Harriet Weaver, na tradução de Dirce Waltrick do Amarante e Sérgio Medeiros

Douglas Diegues: es poeta y tradutor. Es autor de "Da gusto andar desnudo por estas selvas - sonetos salvajes", considerado el primeiro livro de poesia em portunhol publicado na América Latina.


9 de junho de 1936                                          7 rue Edmond Valentin, Paris7ͤ

Cara senhorita Weaver: Meu irmão, expulso da Itália, deve chegar aqui no dia 16 do corrente mês, com ou sem sua mulher e o buldogue. Meu filho tem que permanecer na cama ou num sofá por 4 ou 5 meses. Minha filha está num hospício onde eu soube ela caiu de uma árvore. Eu tenho de pagar as seguintes contas imediatamente ou se não o mais cedo possível:
Dr. Welti (cirurgião) 6.000
Dr. Garnier (auxiliar) 1.000
Dr. Fawcett (auxiliar do dr. Fontaine) 500
Dr. Rossi (substituto do dr. Islandsky 1.000
Dr. Delmas (enfermeiro do hospício) 2.700
= 1 mês de pensão e 2 exames de sangue)
Eu já paguei o American Hosp. e os honorários do cirurgião o dr. Bone que me operou.
A razão para eu ter de pagar os drs. Welti e Garnier e para eu já ter pago (2.000 frs) para a Clinique em Asniers onde o meu filho foi operado é o pedido do meu filho para fazê-lo.
Eu também paguei o prof. Agadjarian 1.700 frs.
Depois desses pagamentos faltará pagar só dr. Islandsky e tudo o que ainda for devido ao dr. Macdonald.  

Acredito que posso cobrir a maior parte das despesas com a publicação do alfabeto da minha filha. Meu propósito não é convencê-la de que ela é um Cézanne mas que no seu 29° aniversário no supramencionado hospício ela possa ver algo que a convença de que todo o seu passado não foi um fracasso. A razão para eu continuar tentando de todas as maneiras encontrar uma solução para o seu caso (a qual pode surgir a qualquer momento como aconteceu com os meus olhos) é não deixá-la pensar que está fadada igualmente a um futuro vazio. Estou ciente de que todo mundo me culpa por sacrificar esse precioso metal o dinheiro a tal ponto com esse objetivo quando seria afinal tão barato e tranquilo trancafiá-la numa prisão econômica para doentes mentais para o resto da vida dela.   
Não farei isso enquanto eu vir uma única chance de esperança em sua recuperação, tampouco a culparei ou punirei por ter cometido o grande crime de ser uma das vítimas de uma das doenças mais ardilosas conhecidas dos homens e desconhecidas da Medicina. E eu suponho que se você estivesse onde ela está e sentisse o que ela deve sentir você talvez sentisse alguma esperança se você sentisse que não estava nem abandonada nem esquecida.
Alguma doença misteriosa foi aos poucos tomando conta dos meus dois filhos (os médicos estão inclinados a remontar a sua origem à nossa residência na Suíça durante a guerra) e se eles não conseguirem fazer nada por eles ela é a culpada, não eles. O caso da minha filha é de longe o pior dos dois ainda assim como o meu filho foi capaz de fazer tudo o que ele fez com sua voz nos EUA nesse estado em que se encontrava (ele não conseguia muitas vezes levantar um copo da mesa e muito menos controlar as suas cordas vocais) é também um mistério para mim. 
León diz que eu escrevo esta carta. Muito acertadamente. Suponho. Ele não quer ser acusado de ter sido um cúmplice benevolente do meu suicídio financeiro. Gosto tanto de escrevê-la quanto você gostará de lê-la.
Há muitos anos ele vem me pedindo com insistência para que eu escreva uma carta de explicação ao administrador fiduciário britânico pedindo que Sua Excelência me permita, a mim que sou conhecido por todos como um grande esbanjador, descontar alguma quantia do dinheiro que foi confiado a ele para a educação dos meus filhos. Eu nunca o encontrei e não sei quem ele é ou o que ele tem a ver com os meus dois filhos e não pretendo escrever a ele nenhuma carta preto no branco sobre o assunto. Cabeça-dura como ele provavelmente é ele poderia muito bem ser dispensado de se perguntar por que eu estaria precisando desse dinheiro para a educação de Giorgio de 31 anos e pai de um filho de 4 ½ anos e de Lucia de 29 anos.
Se você se arruinou por minha causa como parece altamente provável por que você me culpará se eu me arruinar pela minha filha? Que utilidade terá para ela qualquer soma ou providência se lhe for permitido, pelo descaso dos outros que chamam isso de prudência, cair no abismo da insanidade? É inútil culpar os médicos tampouco.
Eu odeio escrever essas cartas. Por isso eu desisto quase em desespero. Mas como eu tenho de pagar esses médicos alguém tem que escrevê-la. Com os meus cumprimentos Sinceramente seu                         James Joyce